JUVENTUDES: participação, autonomia e identidade

Nem só de rebeldia – e alienação – vive a juventude; movimentos coletivos e atitudes individuais mostram a busca por novas formas de atuação para transformar o mundo.
                                                                                                                        
Carlos Eduardo Cardozo[1]
cadunew@yahoo.com.br

       Ao longo da última década, uma das principais contribuições dos “estudos de juventude” foi ter ressaltado que os jovens não são apenas “cidadãos do amanhã em formação”, papel esse a eles relegado pela escola, igrejas, políticas de juventude e organizações da sociedade civil: eles são atores importantes de nossas democracias, das sociedades e do mundo.
       Se ainda duvidam disso, muitos acontecimentos nos últimos anos demostraram a que ponto os jovens são atores importantes em nossa sociedade. Em uma praça central em Belo Horizonte, em 2010, um movimento juvenil participa de uma ocupação pacífica, lúdica e política, criando uma praia na cidade onde não tem mar. No Rio de Janeiro, cerca de 30 mil jovens se reuniram, em 2012, no bairro mais boêmio da cidade, na Lapa, para participarem de um comício político de um candidato de oposição. Em São Paulo cresce, de maneira surpreendente, o movimento de bike na cidade como protesto ao trânsito louco da maior cidade do país. Milhares de manifestações na rede da internet contra deputados que têm posições homofóbicas e racistas.
       O denominador comum de todos esses movimentos é a expressão de uma juventude que não está acomodada com os rumos de suas vidas e cidades, e que tem na denúncia de suas realidades particulares um meio de resistência. Mais que casos isolados, ações como essas espalhadas pelo país mostram que decretar a alienação da juventude, hoje em dia, não faz sentido. Elas expressam que a insatisfação social e a luta por transformações perpassam gerações.

Novas formas de participação social

       Além de receberem influências variadas, os jovens participam na dinâmica da sociedade através de estratégias diferentes, seja como atores sociais e políticos ou manifestando diversas formas de expressão e identidade. Porém, a maior parte das formas, que esse desejo de participação juvenil tem assumido ao longo da história, tem como característica a oscilação, alternando períodos de visibilidade pública com outros de forte retração e invisibilidade. Tudo parece estar intimamente relacionado com a transitoriedade da condição juvenil que leva, diferentemente dos trabalhadores ou das mulheres que se guiam, sobretudo, pelas dimensões materiais da existência, os jovens a se orientarem por interesses não necessariamente voltados a seu ciclo de vida.
       A mobilização juvenil existe e vem crescendo – tanto em quantidade de jovens insurgentes, como na qualidade de seus atos contestatórios. Amiúde surgem novos artistas e coletivos, que compõem um leque quase sem fim de reivindicações: antiproibicionista, feministas, antiracismo, veganos e ciclistas são só alguns exemplos.
       Outra característica marcante de parte dessa juventude que se movimenta é a descrença em instituições políticas tradicionais e a relevância da subjetividade. Hoje, as questões têm de ser importantes coletivamente, mas também individualmente. A questão subjetiva está posta, é importante ao jovem ter uma ligação e dar um sentido para o movimento, sua participação e engajamento não pode ser um tormento, nem um castigo. Por isso, os jovens atualmente preferem a adesão a movimentos e coletivos onde não há hierarquia e as decisões são tomadas coletivamente, onde o movimento transmite a ideia de horizontalidade.
       Assim, a participação política continua a ser muito frequentemente pensada por diversos pesquisadores a partir das análises de um espaço público desconectado dos lugares da vida cotidiana, como se existisse uma fronteira entre a vida de todos os dias e a democracia, como se o espaço público e a vida consistissem de duas esferas separadas e que só contassem aquelas ações que tivessem ressonância nas mídias ou nas políticas institucionais.
       Então um ponto que torna-se nevrálgico na participação política dos jovens hoje é a questão da dimensão subjetiva como ponto central à participação e ao engajamento, e a construção de si como indivíduo e como ator. Esta reflexão se insere em uma tendência dinâmica e inovadora da sociologia dos movimentos sociais que se centra sobre o ator (mais do que sobre as estruturas), sobre os indivíduos (mais do que sobre as organizações) e sobre a necessidade de se levar em conta simultaneamente as lógicas de ação e a subjetividade atores (cf. TOURAINE, 2009).
       Aqui, o entrelaçamento do subjetivo com o político se constitui como outra maneira de se viver e de ser e de viver em sociedade. Diferentemente de se postular que o político resultava da ação de um sujeito politicamente informado e competente, a militância e o engajamento atualmente posiciona o político como forma expandida de consciência de si alcançada na emergência de uma subjetividade produzida nas condições coletivas de trabalho. Tal como sugere Segal, se referindo à imbricação do político e do pessoal, o político só sobrevive na vida pessoal na medida em que algum sentido de eu possa ser publicamente compartilhado com os outros (SEGAL, 2008: 392).

Cyber-militância e a participação na rede
   
Há um elemento do mundo global que é recorrente nas manifestações juvenis contemporâneas: o uso crescente da internet como meio de expansão de duas ideias e comunicação. As redes sociais potencializaram, dão visibilidade aos movimentos reais que estão acontecendo.
Ampliando nossa lente, é possível perceber que dentro desse cenário contemporâneo de interferência política da juventude há até formas não presenciais de luta e participação política denominadas de cyber-política. De acordo com Manuel Castells (1999) a transformação da política e dos processos democráticos nasociedade hoje tem como principal fator responsável o uso de novas tecnologias dainformação.
Os programas e aplicativos na internet como chats, home pages, e-mails, orkut, blogs, msn, skype e, sobretudo, as redes sociais representam o principal espaço virtual utilizado pelos “cyber-militantes”, entendidos aqui como pessoas que estão engajadas na vida política por meio da internet.
A cyber-militância atua fundamentalmente de duas maneiras, ela tanto pode fortalecer ações no plano virtual que resultem na prática em protestos ou boicotes, como também pode vir a fortalecer e fomentar ações no plano unicamente virtual, denunciadoras, através de manifestos virtuais. Isto é, a participação política on-line tanto pode atuar de maneira que a Internet seja um meio, como de maneira que seja um fim em si mesma.
            A Pesquisa da Agência Box1824 e do Instituto Datafolha, divulgada em 2011, aponta que 71% dos jovens brasileiros indicam a internet como meio preferencial de “fazer política”. Isso significa que, para a maioria dos jovens, a participação política passa diretamente pelas redes sociais e pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Isso mostra que a relação dessa juventude com a comunicação vem se transformando e que a internet os possibilita sair do lugar de espectadores para o de criadores de conteúdos, lançando tendência, problematizando questões sociais e cobrando posturas de pessoas públicas.
            O poder da política está também nas relações virtuais simbólicas na medida em que elas representam naturalmente a vontade pessoal e ou política dos indivíduos. Numa outra dimensão, não muito distante da anterior refletimos sobre o apoio que a web tem dado à vários movimentos políticos e sociais, o modo pelo qual a organização e o modelo da metodologia política sofreu mudanças com o aparecimento da Internet, um tipo de participação política muitas vezes motivada unicamente pelo atrativo das estruturas virtuais, reconhecemos nesse trabalho também uma juventude com militância múltipla, caracterizada pela diversidade de ambiente que a mesma atua. Um mesmo jovem pode estar participando, de forma distante, ativamente de várias comunidades virtuais ou frentes de pauta reivindicatórias. Encontramos também um devir político ligado às estruturas da rede como: criação de vídeos, de sites, blogs, grupos, comunidades e posts. É uma nova tendência mobilizadora cujo principal protagonista é o jovem.

Relação indivíduo x sociedade

            O tema é tão complexo quanto relevante, porque se trata de participação juvenil na sociedade a que pertencem, o que certamente constitui a chave­ mestra da dinâmica e das políticas públicas vinculadas ao setor. Pode-se dizer que, assim como a palavra-chave nas políticas de infância é proteção e nas políticas ligadas a mulher é igualdade e o direito a serem diferentes, já nas políticas de juventude é participação, autonomia e identidade.
            Tomar a relação da juventude com a política, sob a chave da participação, como objeto de reflexão nos leva à análise, em última instância, da tensa relação entre indivíduo e sociedade. Como os sujeitos jovens leem o mundo, como constroem suas posições sobre as relações e desigualdades sociais, como vivenciam essas desigualdades, como deslocam suas posições da experiência individual e se inserem ou sentem-se pertencentes a um todo maior, que tipo de solidariedades e antagonismos são construídos, que possibilidade efetiva de ação e voz têm na sociedade brasileira contemporânea foram alguns dos tantos para se perguntar neste tema. Não existem respostas... existem experiências que mostram que é preciso romper com alguns paradigmas para oportunizar verdadeiros espaços de escuta e participação social dos jovens, rompendo um pseudo protagonismo juvenil presente em tantas instituições.

Rerências Bibliográficas

1.      CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
2.      CASTRO, Lúcia Rabelo. Participação política e juventude: do mal-estar à responsabilização frente ao destino comum. Sociologia e Política n.30 jul. 2008.
3.      SEGAL, L. After Judith Butler: Identities. Who Needs Them? Subjectivity n. 25, p. 381-394. 2008.
4.      TOURAINE, Alain. Pensar outramente: o discurso interpretativo dominante. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.




[1] Carlos Eduardo Cardozo é coordenador pedagógico geral do Colégio Stella Maris no Rio de Janeiro. Especialista em juventude pela CAJU/FAJE e mestrando em ciências sociais pelo PPGCS/UFRRJ.

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