Um museu, uma história: a história dos Direitos Humanos no Chile


Manhã fria com uma brisa forte em Santiago. Amanheceu mais um dia... e nós aqui como bons turistas nos organizamos para mais uma expedição “exploratória” dos recursos turísticos que esta cidade nos oferece.
Parecia mais um dia normal em nosso roteiro. Mas não!
Hoje visitamos o Museu da Memória e dos Direitos Humanos. Uma visita surpreendente. Uma visita para ficar na eterna memória de seus visitantes. Aliás, é sobre memória que este museu aborda.
Ao chegar, fiquei surpreendido com a estrutura arquitetônica do lugar. Um prédio imponente pelas suas formas e linhas de material pesado (cimento, cobre e vidro). Havia 3 imponentes bandeiras do Chile no Pátio. Pela suntuosidade do pátio uma expectativa foi sendo gestada em mim.
 No início do meu percurso pelas instalações do Museu fiquei atento a uma guia no início de um passeio pedagógicos de um grupo de alunos da última séria do ensino fundamental da rede pública.
Neste momento, esta guia fez uma introdução que ficou tocou profundamente dentro em mim: “Este museu guarda a Memória. A memória é muito fraca, pois a medida em que o tempo passa só recordamos daquilo que nos convém.”
 Estas palavras daquela jovem guia ressoaram em mim. E meu pensamento voou como as bandeiras alçadas pelo forte vendo daquela manhã.
O que é a memória? Quais as implicações políticas, sociais, culturais da memória para um povo, para uma nação? O que “convém” a um governo contar para as novas direções? E por quê?
A minha memória me levou à Grécia: Mnemosyne, deusa, Memória divinizada, gera nove Musas, as ‘Palavras Cantadas’. E “as Musas colocaram então na mão do poeta o bastão de seu ofício e insuflaram nele sua inspiração...” Inspirado pela Musa, o aedo cria, repete, recita, compõe palavras em ritmos. Inspirado pela Musa, o poeta é suporte e mestre da verdade. Resgata o acontecido do esquecimento, presentifica o passado. Versejar é lembrar. Cantar é lembrar.
Aquele lugar era o povo Chileno tornando presente, lembrando para jamais esquecer de um passado que assombra. Parece coisa de filme.
Entrei em passos lentos... percebi que o Museu “guardava” o terror da Ditadura Militar que assolou o país no período entre 1973 e 1990. Durante a ditadura de Augusto Pinochet, milhares de chilenos e chilenas foram perseguidos, privados de liberdade, exilados, exonerados, torturados, executados ou “desparecidos”. Os organismos de segurança semearam o medo e exerceram o controla da cidadania através da vigilância permanente, da elaboração de listas negras e da censura. A repressão foi massiva e indiscriminada. Foi possível ouvir através da tecnologia as vozes... da repressão, dos torturados, do grito reprimido.
O mais emocionante foi ouvir o último discurso público do Salvador Allende. Emocionante, firme, convicto, apaixonado. “Fico até a morte por todos aqueles que acreditam na democracia, fico pelos jovens que ainda mantém a esperança no futuro...” o “FICO” de Allende foi realmente um grito de Direitos Humanos. Um grito pela verdadeira democracia. Engraçado é que esta palavra, “democracia”, se repetiu inúmeras vezes nos discursos militares... de todos. Penso que ainda não sei o que é a democracia.
 Memória e democracia. Duas palavras inventadas pelos gregos a tanto tempo e mesmo assim não sabemos o que é.
Fiquei a todo momento me perguntando: será que nós brasileiros teremos a coragem de um dia poder falar com transparência e a verdade dos fatos sobre a nossa ditadura militar?
Foi uma experiência de resgate: da memória, da democracia, da liberdade, da nação, da identidade, da humanidade, enfim, dos Direitos Humanos!

“Tudo está guardado na memória, espinho da vida e da história” (Leon Greco).

Santiago, 09 de novembro de 2012.

Carlos Eduardo Cardozo

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