O discurso feminista e seus sujeitos representados
No debate que vem sendo feito pelas feministas com relação ao gênero, ressalto um aspecto que me parece ser o mais relevante nos processos de visibilidade política da causa e do movimento: a representação e o sujeito representado.
Butler chama a atenção para o “sujeito” do movimento feminista.
“As teorias feministas em sua maior parte, pressupõe a existência de uma identidade feminina, entendida através da categoria mulheres. Esta categoria não apenas funda os interesses e os objetivos feministas dentro do discurso, mas constitui o sujeito para o qual busca-se uma representação política.”
Ou seja, as feministas defenderam uma representação única para as mulheres para que, através desta identidade, pudessem conquistar uma visibilidade política. Mas política e representação são termos controversos, como salienta Butler, pois as representações individuais da identidade da mulher nem sempre são legitimadas dentro do discurso político do feminismo. A busca de representação política tentou universalizar as identidades, excluindo outras identidades e outras performances de ‘mulheres’.
Isso aconteceu porque o discurso político submete-se às normas sociais para tornar tornar-se visível e assim ser legitimado. Então, podemos perguntar: ‘para que serve uma representação política que repete a exclusão dos sujeitos que não se encaixam aos requerimentos da identidade hegemônica?’.
De acordo com Bultler,
“A representação serve, por um lado, como termo operativo dentro de um processo político que busca estender a visibilidade e a legitimidade para as mulheres enquanto sujeitos políticos; por outro lado, a representação é a função normativa de uma linguagem que tanto revela quanto distorce o que é assumido como verdade sobre a categoria mulher.”
Ao defender seus direitos enquanto sujeitos políticos, as mulheres buscaram representar sua identidade na sociedade, mas esta representatividade também exerceu uma função normativa ao estabelecer uma representação única para a identidade feminina. Esta identidade única, ao mesmo tempo que revela uma identidade para as mulheres, já aceita socialmente, também distorce e limita a inclusão da representação de outras identidades da categoria ‘mulher’.
Para aumentar a visibilidade política das mulheres, a teoria feminista busca o desenvolvimento de uma linguagem que, totalmente ou adequadamente, represente “mulheres”. Esta categoria “mulher”, defendida no discurso feminista, é a busca da construção de uma identidade e de uma linguagem que represente o sujeito feminino. Entretanto, ao observarmos a condição cultural que permeia a construção deste sujeito do discurso feminista, parece-me óbvio a consideração de que as diferentes subjetividades e papéis das vidas das mulheres estão representadas ou não estão representadas em sua universalidade.
Ao lutarem por igualdade, entraram no mercado de trabalho como os homens, mas dentro de casa suas atividades não foram reconhecidas, assim como havia uma representação de mulher na qual não se incluía, por exemplo, as mulheres homossexuais e ignoravam-se os preconceitos raciais. Assim, algumas mulheres, mesmo no movimento feminista, são consideradas mais cidadãs do que outras, isso se fizermos um recorte de classe e raça para a análise.
Para Butler, “recente, esta concepção prevalece da relação entre teoria feminista e as políticas tem sido desafiada pelo próprio discurso feminista.” Assim, nesta perspectiva, nada mais do que se diga sobre o que é ser mulher considera-se estável e não pode ser entendido numa universalidade.
Ao ser representado política e lingüisticamente, os sujeitos já estão qualificados de uma certa forma que estabelece os critérios pelos quais se define que aquele é um determinado sujeito e não outro. Para ampliar a representação do sujeito e estender o entendimento acerca de sua condição é preciso “superar” a linguagem e a política hegemônica para que estes sujeitos sejam representados enquanto é, e não simplesmente enquanto o representam. O campo político e lingüístico no qual o sujeito é representado determina a escolha de um sujeito previamente delimitado.
“O domínio de representação política e lingüística lança adiantadamente o critério pelo qual os sujeitos são formados, resultando no fato da representação ser estendida apenas para o que pode ser reconhecido como um sujeito. Em outras palavras, a qualificação em ser um sujeito deve primeiro ser encontrada antes que a representação possa ser estendida.” (Butler, 2003)
É como tentar comunicar algo que ainda não foi dito, para ser compreensível discursivamente é necessário adaptar-se à linguagem, e a estrutura lingüística limita a expressão do vivido.
Desta forma, a representação feminina torna-se uma formação discursiva do próprio sistema que a exclui. As delimitações lingüísticas respeitam a estrutura política dominante, patriarcal, e a representação das mulheres nesta formação discursiva é conseqüência de uma política representativa, que ao mesmo tempo que constitui as mulheres enquanto sujeito, as delimita a uma representação hegemonicamente masculina.
Assim, pode-se dizer que o sujeito do discurso feminista é constituído pelo mesmo sistema político que supostamente possibilita sua emancipação. Esta questão apresenta-se problemática para a luta feminista, pois o sistema político hegemônico diferencia os sujeitos de gênero de acordo com um eixo de dominação e representa todos predominantemente enquanto sujeitos masculinos. Mesmo que o sistema represente as mulheres, representa de forma a limitá-las a um discurso onde ainda prevalece o masculino.
Referência Bibliográfica
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
Butler chama a atenção para o “sujeito” do movimento feminista.
“As teorias feministas em sua maior parte, pressupõe a existência de uma identidade feminina, entendida através da categoria mulheres. Esta categoria não apenas funda os interesses e os objetivos feministas dentro do discurso, mas constitui o sujeito para o qual busca-se uma representação política.”
Ou seja, as feministas defenderam uma representação única para as mulheres para que, através desta identidade, pudessem conquistar uma visibilidade política. Mas política e representação são termos controversos, como salienta Butler, pois as representações individuais da identidade da mulher nem sempre são legitimadas dentro do discurso político do feminismo. A busca de representação política tentou universalizar as identidades, excluindo outras identidades e outras performances de ‘mulheres’.
Isso aconteceu porque o discurso político submete-se às normas sociais para tornar tornar-se visível e assim ser legitimado. Então, podemos perguntar: ‘para que serve uma representação política que repete a exclusão dos sujeitos que não se encaixam aos requerimentos da identidade hegemônica?’.
De acordo com Bultler,
“A representação serve, por um lado, como termo operativo dentro de um processo político que busca estender a visibilidade e a legitimidade para as mulheres enquanto sujeitos políticos; por outro lado, a representação é a função normativa de uma linguagem que tanto revela quanto distorce o que é assumido como verdade sobre a categoria mulher.”
Ao defender seus direitos enquanto sujeitos políticos, as mulheres buscaram representar sua identidade na sociedade, mas esta representatividade também exerceu uma função normativa ao estabelecer uma representação única para a identidade feminina. Esta identidade única, ao mesmo tempo que revela uma identidade para as mulheres, já aceita socialmente, também distorce e limita a inclusão da representação de outras identidades da categoria ‘mulher’.
Para aumentar a visibilidade política das mulheres, a teoria feminista busca o desenvolvimento de uma linguagem que, totalmente ou adequadamente, represente “mulheres”. Esta categoria “mulher”, defendida no discurso feminista, é a busca da construção de uma identidade e de uma linguagem que represente o sujeito feminino. Entretanto, ao observarmos a condição cultural que permeia a construção deste sujeito do discurso feminista, parece-me óbvio a consideração de que as diferentes subjetividades e papéis das vidas das mulheres estão representadas ou não estão representadas em sua universalidade.
Ao lutarem por igualdade, entraram no mercado de trabalho como os homens, mas dentro de casa suas atividades não foram reconhecidas, assim como havia uma representação de mulher na qual não se incluía, por exemplo, as mulheres homossexuais e ignoravam-se os preconceitos raciais. Assim, algumas mulheres, mesmo no movimento feminista, são consideradas mais cidadãs do que outras, isso se fizermos um recorte de classe e raça para a análise.
Para Butler, “recente, esta concepção prevalece da relação entre teoria feminista e as políticas tem sido desafiada pelo próprio discurso feminista.” Assim, nesta perspectiva, nada mais do que se diga sobre o que é ser mulher considera-se estável e não pode ser entendido numa universalidade.
Ao ser representado política e lingüisticamente, os sujeitos já estão qualificados de uma certa forma que estabelece os critérios pelos quais se define que aquele é um determinado sujeito e não outro. Para ampliar a representação do sujeito e estender o entendimento acerca de sua condição é preciso “superar” a linguagem e a política hegemônica para que estes sujeitos sejam representados enquanto é, e não simplesmente enquanto o representam. O campo político e lingüístico no qual o sujeito é representado determina a escolha de um sujeito previamente delimitado.
“O domínio de representação política e lingüística lança adiantadamente o critério pelo qual os sujeitos são formados, resultando no fato da representação ser estendida apenas para o que pode ser reconhecido como um sujeito. Em outras palavras, a qualificação em ser um sujeito deve primeiro ser encontrada antes que a representação possa ser estendida.” (Butler, 2003)
É como tentar comunicar algo que ainda não foi dito, para ser compreensível discursivamente é necessário adaptar-se à linguagem, e a estrutura lingüística limita a expressão do vivido.
Desta forma, a representação feminina torna-se uma formação discursiva do próprio sistema que a exclui. As delimitações lingüísticas respeitam a estrutura política dominante, patriarcal, e a representação das mulheres nesta formação discursiva é conseqüência de uma política representativa, que ao mesmo tempo que constitui as mulheres enquanto sujeito, as delimita a uma representação hegemonicamente masculina.
Assim, pode-se dizer que o sujeito do discurso feminista é constituído pelo mesmo sistema político que supostamente possibilita sua emancipação. Esta questão apresenta-se problemática para a luta feminista, pois o sistema político hegemônico diferencia os sujeitos de gênero de acordo com um eixo de dominação e representa todos predominantemente enquanto sujeitos masculinos. Mesmo que o sistema represente as mulheres, representa de forma a limitá-las a um discurso onde ainda prevalece o masculino.
Referência Bibliográfica
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
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